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Parte 2

 

A Lei 13.467 de 13 de julho de 2017 implodiu efetivamente o sistema de regulação do trabalho formal baseado no contrato de trabalho-padrão, poder sindical e negociação coletiva, e o acervo de direitos trabalhistas para os que detém a carteira de trabalho como representação simbólica do trabalho formalizado. A vigência do trabalho hiperflexivel é a efetivação do trabalho informalizado no sentido amplo da palavra.

Qual a lógica estrutural da Reforma Trabalhista de Michel Temer, que reproduziu de modo ampliado na periferia desenvolvida do capitalismo global, o movimento do novo e precário mundo do trabalho?.

A nova era do trabalho hiperflexivel no Brasil iniciada com a vigência da nova ordem trabalhista, constituída pela Lei 13.429/2017 de 31 de março de 2017 (Lei da Terceirização) e a Lei 13.467 de 13 de julho de 2017 (Reforma Trabalhista), sacramentou tendencias estruturais do capitalismo flexível (nesse artigo não tratamos da Lei da Terceirização, focando apenas na Reforma Trabalhista como peça jurídico-politica mais completa de reestruturação/reajustamento neoliberal do arcabouço de regulamentação do trabalho no Brasil).

 A nova era do trabalho hiperflexivel no Brasil pode ser caracterizada em linhas essenciais pela regulamentação e consagração do (1) contrato por tempo determinado – contrato autonomo, pejotização e trabalho intermitente (abolindo a forma do contrato-padrão); jornadas longas de trabalho (abolindo a noção de “jornada de trabalho” com o tempo de vida reduzido a tempo de trabalho); o teletrabalho (abolindo a noção-padrão de “local de trabalho”).

Como consequências sociais da nova precariedade salarial, conceito-chave que apresentamos no livro “Trabalho e neodesenvolvimentismo: Choque de capitalismo e a nova degradação do trabalho no Brasil” (Praxis, 2014), temos o (1) aumento da rotatividade laboral, (2) a proliferação de empregos de salários baixos e (3) o aprofundamento da fragilização do mercado de trabalho e do sindicalismo no Brasil, pais capitalista historicamente caracterizado pela superexploração da força de trabalho.

O novo sociometabolismo do capital, demarcado pelo marco regulatório do trabalho assalariado flexivel, que deve irromper na sociedade brasileira da década de 2020, quando as consequencias sociais devem adquirir feições claras, inclusive em termos socio-estatisticos, aprofundará a “miséria brasileira”, materializando o espectro que rondava o Brasil desde a velha década neoliberal (de 1990), e que era anunciado como sendo o “colapso da modernização” ou a “modernização catastrofica” em sua forma hipertardia.

Na era do trabalho hiperflexivel, a idéia de direitos trabalhistas/previdenciários perde valor. Essa realidade histórica apresenta-se como verdadeiramente trágica e grotesca num país capitalista dependente, hipertardio de extração colonial-escravista, que possui os maiores indices de desigualdade social do mundo. Ao mesmo tempo, anuncia-se o fim da justiça do trabalho no Brasil ou a “redução” do direito do trabalho ao direito civil.

Considerar o trabalhador assalariado como sendo hipossuficiente – a partir da vigencia do negociado sobre o legislado, ponto crucial da nova lei trabalhista, enfraquece sindicatos de trabalhadores, sendo isto,  como salientamos acima, não apenas um elemento trágico, mas grotesco, numa sociedade capitalista de extração colonial-escravista tal como a sociedade brasileira, cuja força de trabalho é composta em sua maioria por pobres e miseráveis.

Ao mesmo tempo, a Lei 13.467 de 13 de julho de 2017, a Lei da Reforma Trabalhista, em conjunto com a Lei 13.429/2017 (a Lei da Terceirização para todas as atividades), faz disseminar a terceirização, ampliando-a inclusive para camadas sociais do mundo do trabalho de maior qualificação profissional (camadas médias assalariadas). Ela respalda a terceirização para atividade-fim e pejotização. É o que Marcio Pochmann proclamou como sendo o fim da classe média assalariada brasileira, sendo, na verdade, a configuração da nova classe trabalhadora brasileira na era do trabalho hiperflexivel (o precariado seria a sua franja jovem-adulta precarizada nas relações de trabalho e de vida). Assim, a lógica estrutural da Reforma Trabalhista, ao regulamentar o contrato autônomo, eliminando “exclusividade” e “continuidade” (Art. 442-B), e o respaldo a terceirização para atividade-fim e pejotização, promove aquilo que caracteriza um dos elementos essenciais do trabalho hipomoderno: o fim da relação de emprego como relação juridicamente predominante no mercado de trabalho brasileiro.

O novo arcabouço juridico da lei trabalhista efetivamente corrabora com a ocultação do vinculo empregaticio. O fetiche do trabalhador livre – “autonomo” ou empreendedor – adquire robustez ideologica, embora a relação de subalternidade estrutural entre capital e trabalho se mantenha e inclusive, amplie-se, por conta da perda de direitos trabalhistas e degradação do sindicalismo.

Além de regulamentar o contrato autonomo, a Lei 13.467  nos Arts. 443 e 452-A prevê o trabalho intermitente (os ditos contratos “zero hora”, os trabalhadores ultraflexíveis sem garantias de salário mínimo, que já proliferam no Reino Unido – o “coração” dos paises capitalistas desenvolvidos).

Se o contrato autônomo e a pejotização expõe o fetichismo do empreendedorismo, ocultando a relação de emprego (e exploração) entre capital e trabalho, o trabalho intermitente espõe o escandalo da superexploração da força de trabalho, onde o sujeito que trabalha fica à disposição da empresa por 24 horas,  e recebe seu salário-hora de acordo com a tarefa executada (na prática abole-se o salário-minimo ou ele deixa de ser um salário-referencia pois a remunueração salarial pode ficar abaixo do valor regulamentar do salário-minimo). Trata-se, de fato, da escravidão pós-moderna, na medida em que o trabalhador livre está totalmente à disposição do seu senhor (é a exacerbação da contradição em termos do trabalho assalariado).

No próximo artigo da série,  iremos tratar dos impactos sociais da implementação legal do trabalho hiperflexivel no Brasil.