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Bem, o texto de hoje iniciará com uma narrativa verídica vivenciada por mim. Era o ano de 1999, e eu estava morando na cidade de Retirolândia (interior da Bahia) com a minha avó paterna (que Deus a tenha). Como toda criança criada no interior, o comum é passar o dia todo na rua brincando. Naquele dia eu decidi brincar de gude com minha amiga. Ela possuía uma aparência diferente da minha: pele clara, cabelos longos e lisos, rosto de “princesa”. Eu pele retinta e acinzentada da terra, cabelos crespos e curtos – aparência de uma criança preta comum que brinca na rua.

Eu não me importava e não via diferença com minha amiga. Eu só queria brincar de gude. Entre um buraco acertado, e um errado, a brincadeira se tornara mais interessante e, consequentemente, minhas pernas mais acinzentadas por causa da terra. Quando menos esperávamos chegou um homem, cuja aparência era voltada aos 40/48 anos. Ele parou na nossa frente e disse:

“Que coisa feia! Duas meninas brincando de gude… Isso é coisa de menino. Essa aí  (ele apontara o dedo para mim) até que pode, mas tu (apontara o dedo para a minha amiga), não.”

Naquele momento eu só consegui olhar para os meus pés “foveiros” da areia e pensei “ah, deve ser porque meus pés estão cinzentos e os dela não”. Era a inocência que havia em uma criança de 9 anos que me fez pensar assim. Porém, a experiência de vivenciar o racismo desde a infância causa grandes questões para uma mulher negra. Entre elas a seguinte pergunta: mulher preta é mulher? E menina preta? Menina preta é menina?

Bem, a resposta está na atitude daquele homem que achou feio duas meninas jogando gude, mas tudo bem uma menina preta jogando, afinal, menina preta não é menina. Eles acham.

É possível, através desse relato, afirmar que raça vem antes de gênero, pois para aquele homem ele viu uma pessoa preta, não uma menina. Logo, quando as lutas pelos direitos das mulheres são postas em prática, a mulher negra está inclusa? Quando as pautas para suprir as demandas de leis que emancipam as mulheres, são postas em práticas, será que elas são criadas pensando, também, na demanda da mulher preta? É necessário por raça em primeiro lugar, pois, antes de qualquer outra demanda (seja ela de gênero ou classe), a raça estará, na maioria das vezes, implicada.